O fogo consumiu a primeira casa. Mas não havia como a substituta nascer melhor, da alvenaria, que nem o casal sonhava. Veio da taipa mesmo, a exemplo da outra, às margens da BR-226. Ela e mais 11 edificações miúdas colorem a entrada de Crateús, a 354 quilômetros de Fortaleza. “Se pudesse, sairia pra outro canto. Uma casa melhor é sempre melhor, né? Mas aqui, de perigo mesmo, só o barbeiro (inseto, vetor da Doença de Chagas). Tem muito”, diz a doméstica Maria Alzenir Pereira de Souza, 34.
Com o marido, os dois filhos e um bebê a caminho, ela integra uma das 93.847 famílias cearenses viventes em casas de taipa, conforme o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o segundo maior índice do País. Nos 26 estados e Distrito Federal, são 895.159 edificações do tipo (ver mapa). O Ceará fica atrás apenas do Maranhão.
Realidade que dona Antônia da Silva Gomes conhece bem. Aos 52 anos, ela nunca residiu numa casa de tijolos. Já viu desabar a cozinha da construção onde hoje vive, ao lado de Maria Alzenir. “Se cair de novo, não sei como vai ser. Não tem de onde pegar barro. Mas sempre vivi com os bicudos (barbeiros). Um dia, eu venço eles”, crê a agricultora. Energia? Até tem. Água encanada? Pode ser. Mas nem sempre de boa qualidade. Banheiro? Seria luxo pras 12 taipas da entrada de Crateús – e tantas outras Brasil adentro. Os dejetos vão para o terreno baldio transformado em quintal.
Por considerar “questão de saúde pública” a possibilidade da contração da Doença de Chagas pela vivência em casas de taipa e ter ressalvas quanto à qualidade estrutural dessas edificações, o Governo quer eliminá-las. E recebe críticas de especialistas. O Estado, contudo, apresenta apenas um mecanismo com fim específico para isso: o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), uma linha do programa “Minha Casa Minha Vida” ao qual gestão nenhuma é obrigada a aderir.
Coordenador de Habitação da Secretaria Estadual das Cidades, Flávio Jucá revela que as casas de taipa são consideradas déficit habitacional por quase sempre serem precárias. “A intenção é de que elas não existam. Além da questão da saúde pública, a casa de taipa gera inconvenientes pra família”. Segundo ele, boa parte das adesões ao PNHR acaba sendo de organizações ligadas à defesa dos direitos dos agricultores. De 2012, quando começou, até agora, contratos foram fechados para a construção de apenas mil casas. Outras três mil serão contratadas este ano.
Sem previsão
Como contrato não significa construção imediata, Flávio Jucá diz não ter como fixar data de entrega. O PNHR oferece R$ 28,5 mil para levantar cada residência. O Estado oferece outros R$ 3 mil para melhoramentos. “Eu não diria que é uma prioridade acabar com a taipa. A prioridade é proporcionar casa às pessoas. E, algumas vezes, a pessoa prefere ficar na taipa pela facilidade de construir. Mas o Estado tem feito um grande esforço para orientar e diminuir as casas de taipa. O primeiro é evitar a construção de novas”.
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Ceará (Fetraece), Luiz Carlos Ribeiro, as casas de taipa são um problema complementar. “Temos no campo muitas casas boas abandonadas porque faltou o acesso à saúde, educação pros filhos, comunicação, transporte”.
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